A reforma ou renovação democrática em nosso país depende de várias iniciativas, sendo uma das mais importantes a chamada reforma eleitoral. O propósito de uma reforma democrática visa, principalmente, a reduzir o déficit democrático que, no Brasil, é mais pernicioso do que as dívidas interna e externa. Já foi comentado (leia aqui) que uma das causas deste déficit é o fato de que no Brasil democracia significa apenas votar, ou seja, não existe democracia entre as eleições, mas apenas durante as eleições.
Facilmente, é possível mostrar dois exemplos do déficit democrático quando se observa o perfil dos membros da Câmara dos Deputados que, infelizmente, não reflete precisamente a diversidade da população brasileira: os eleitos cada vez mais ricos e uma representação feminina insignificante (menos de 10%). Se as nossas instituições legislativas não refletem a diversidade de nossa sociedade, é muito difícil se ter uma resposta para uma melhor cidadania e democracia. O pior é que a cada eleição que passa a situação está se deteriorando, a exemplo da insignificante representação feminina na Câmara dos Deputados, sem falar de outros males da vida política nacional.
Nesse caso, mudança do sistema só se for para reforçar os interesses dos grupos dominantes, responsáveis por esse quadro social assombroso em que se encontra o nosso país. Daí as críticas que têm sido direcionadas ao nosso Parlamento pela imprensa, a exemplo da que foi feita pela prestigiosa revista internacional The Economist, numa de suas últimas edições, ao analisar superficialmente algumas informações sobre a recente eleição do presidente da Câmara dos Deputados. Observa-se, no momento, que até a esquerda tipifica o nosso Parlamento de “chiqueiro” quando, de repente, milionários representantes das classes dominantes, se tornam “socialistas” e “esquerdistas”, eleitos pelos partidos ditos de esquerda. Em resumo, o poder econômico tem sido o grande facilitador de uma democracia tupiniquim, responsável pela eleição de candidatos, em sua maioria, representantes da elite dominante.
Uma reforma ou renovação democrática, visando a atenuar o déficit democrático, requer: 1) reforma partidária; 2) reforma eleitoral; 3) reforma do Parlamento e 4) engajamento dos cidadãos. Nos últimos anos, algumas reformas partidária e eleitoral foram registradas, porém o nosso parlamento se mantém intacto e o engajamento dos cidadãos está cada vez mais reduzido.
Nessa discussão, uma tentativa é feita para mostrar as conseqüências desastrosas das reformas partidária e eleitoral neste país. Ademais, a reforma partidária em discussão no momento caminha para a cartelização dos partidos, deixando os cidadãos cada vez mais distantes da vida política (leia).
A última reforma partidária, ocorrida por meio da Lei 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos) que instituiu a chamada "cláusula de barreira”, buscou a independência dos partidos políticos de tal forma que hoje seus membros ou filiados são perseguidos ou expulsos sem quase nenhuma defesa, pois as lideranças partidárias estão acima dos interesses de seus membros. Como podem os partidos políticos se tornar mais democráticos, quando buscam mais autonomia e independência? Com essa lei e a possível aprovação da chamada cláusula de barreira, fica instituído que o engajamento dos cidadãos é descartado. Assim sendo, o que se vem observando é que se, de um lado, os partidos políticos são instituições desacreditadas por parte da sociedade, de outro lado são detentoras de muito poder, diante do arcabouço legal criado para lhes proteger.
Similarmente, as reformas eleitorais visaram, também, a reforçar não só os partidos políticos, mas também a própria Justiça Eleitoral, em detrimento do engajamento dos cidadãos e da redução da cidadania, através de um sistema de votação eletrônica. A literatura tem demonstrado que, em várias partes do mundo, a tecnologia vem reforçando organizações, mas fazendo muito pouco em benefício da democracia.
Uma reforma eleitoral trata basicamente de três dimensões: estrutura de representação, sistema de votação e a fórmula eleitoral. No próximo texto uma tentativa será feita para tratar do nosso sistema de votação, mostrando que no Brasil a maioria da população não acredita nos políticos e seus partidos, mas parece acreditar em urnas eletrônicas, até certo ponto controladas por eles e por um sistema eleitoral que estimula e estima a corrupção e a compra de votos, além de reduzir substancialmente a nossa cidadania. Para que serve o voto eletrônico se não contribuí para diminuir a corrupção e a compra de votos? Não foi dito ainda para o público, mas nas últimas eleições houve uma diminuição dos índices de comparecimento às urnas. Infelizmente, ainda tem gente que acredita que o voto eletrônico vai salvar a nossa democracia, limitada basicamente ao ato de votar.
No Brasil, a classe política desenhou um sistema eleitoral tão absurdo que permite a Justiça Eleitoral, responsável pela administração das eleições, ser também a julgadora de atos ocorridos no âmbito de sua própria administração. Por exemplo, quando se denuncia uma fraude de urna eletrônica é a Justiça Eleitoral que diz se houve fraude ou não. Ora, como pode a Justiça Eleitoral administrar e controlar as urnas eletrônicas e, ao mesmo tempo, julgar os erros, que são muitos, ocorridos durante o processo eleitoral?
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